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2015-05-18

Nutrição

O que são e como funcionam (se é que funcionam...) os suplementos “pré-treino”?

Contendo uma combinação de diversas substâncias, inúmeros blends estão disponíveis à venda, especialmente no mercado exterior. Com a promessa de melhorar o desempenho no treino, os pré-treinos têm conquistado um número cada vez mais maior de consumidores que defendem a eficácia do suplemento. E não é por menos! Se tem algo que a indústria de suplementos tem feito muito bem é explorar o efeito placebo de algumas substâncias. Entendamos o caso.


Pontos em comum dos “pré-treinos”


Embora cada marca seja ligeiramente diferente das demais, a maioria dos “pré-treinos” que fazem sucesso no mercado contêm um ou mais das seguintes substâncias:


- creatina (doses variam entre ~1 g e 2 g por porção)


- beta-alanina (doses variam entre ~1,6 de 2 g por porção)


- cafeína (doses variam entre ~150mg e 300 mg por porção)


- substâncias que aumentam nitrato (em teoria... discutirei isso logo abaixo)


- substâncias “desconhecidas”


- outras substâncias



Ainda que existam muitas evidências científicas indicando que creatina, beta-alanina, cafeína e nitrato melhoram o desempenho, a forma como essas substâncias são oferecidas nos “pré-treinos” são altamente questionáveis, a começar pelo própria alegação de que precisam ser consumidas logo antes do treino.



Creatina, beta-alanina e nitrato não são “pré-treinos”


São muito sólidas as evidências científicas mostrando que pouco importa se creatina, beta-alanina e nitrato são ingeridos antes do treino ou não. O efeito de tais substâncias não é imediato e, portanto, elas não precisam ser tomadas logo antes do treino. Caso sejam, certamente seu efeito não acontecerá naquela sessão de treino. 


A beta-alanina resulta em aumento da síntese de carnosina no músculo, mas tal aumento só é observável depois de, no mínimo, 2 semanas de suplementação! E os efeitos sobre o desempenho provavelmente só serão significativos após 4 semanas de uso crônico. Além disso, as doses mais efetivas variam entre ~4 g/dia e ~6 g/dia, portanto muito maiores do que os meros 1,6-2 g/dose oferecidos pelos “pré-treinos”.


No caso da creatina, que atua por meio do aumento das concentrações de creatina no músculo, o tempo para que a suplementação faça efeito é de ~5 dias (para doses altas, de 20 g/dia), ou de ~30 dias (para doses mais baixas, de ~5 g/dia). As doses baixas oferecidas pelos “pré-treinos” (de 1-2 g/porção) provavelmente demorariam ainda mais tempo para fazer efeito. Portanto, não faz o menor sentido imaginar que a creatina ingerida no “pré-treino” terá qualquer efeito sobre a performance no treino realizado logo depois.


Já no caso do nitrato, embora alguns estudos mostrem que o uso agudo possa melhorar o desempenho, o tempo necessário para que faça efeito é de ~2,5 horas, tempo muito maior do que o praticado pela maioria dos usuários.



Creatina e nitrato, “só que não”


A maioria dos “pré-treinos” contém creatina e substâncias que aumentam nitrato (em teoria...), porém, é pouco provável que tanto a creatina como o nitrato oferecido por esses suplementos sejam realmente efetivos. 


Além dos problemas com as doses baixas, como eu comentei acima, a maioria das marcas contém formas de creatina diferentes da creatina monoidrato. Estudos mostram que muitas dessas novas formas de creatina são pior absorvidas pelo organismo ou, na melhor da hipóteses, apenas contêm menos creatina por porção. 


Em relação ao nitrato, as notícias também não são muito animadoras. Além dos problemas com o momento da ingestão, os suplementos “pré-treino” certamente não oferecem as doses necessárias para que o nitrato faça efeito (doses efetivas geralmente variam entre ~500-1000 mg de nitrato). Na verdade, muitos deles sequer contém nitrato em suas fórmulas. Em vez disso, contém arginina ou citrulina; embora ambos sejam precursores de óxido nítrico, os estudos até hoje não conseguiram mostrar que sua suplementação seja capaz de efetivamente aumentar óxido nítrico, como já discutido neste blog. Algumas marcas contêm extrato de beterraba em suas composições, mas é impossível que 500 mg desse extrato contenha os 500 mg de nitrato necessários.



Efeito placebo: o que há de mais efetivo (e nocivo) nos “pré-treinos”


A seleção de algumas substâncias e das doses deixa clara a intenção da indústria: explorar o efeito placebo. O efeito placebo refere-se a qualquer tipo de melhora obtida com qualquer tratamento pelo simples fato da pessoa que recebe aquele tratamento acreditar em sua efetividade. No caso dos suplementos, o indivíduo toma um suplemento qualquer e, por acreditar que irá desempenhar melhor, ele realmente desempenha melhor, independente da real eficácia do suplemento. Obviamente, os suplementos com maior capacidade de sugestionar seus consumidores são aqueles que têm efeitos perceptíveis, especialmente sobre o sistema nervoso. É o caso da cafeína, que aumenta a frequência cardíaca e cria um “estado de alerta”. A propósito, todos os “pré-treinos” contêm cafeína. Não que a cafeína não seja ergogênica; muitos estudos mostram que são, mas seus efeitos geralmente desaparecem com o uso contínuo. Trata-se de um efeito de dessensibilização de receptores, como já discutido neste blog. Portanto, a cafeína não necessariamente é um suplemento pré-treino; provavelmente, seu melhor uso seria como suplemento pré-competição. Para tal, os blends pré-treino não são escolhas tão boas quanto seria o uso de cafeína isolada.


Outro uso do efeito placebo dos “pré-treinos” ocorre pelas altas doses de beta-alanina. A indústria certamente sabe que a beta-alanina, se consumida em doses acima de 800 mg, pode causar parestesia (uma sensação de coceira e formigamento na pele). Mesmo assim, as porções contidas nos blends contém o dobro, ou mais, da dose máxima de beta-alanina. O resultado certamente será a parestesia, uma sensação desconfortável, mas inofensiva; mas que certamente fará com que o usuário “sinta” que aquele produto está fazendo efeito.


O lado perigoso da exploração do efeito placebo está na inclusão de certas drogas na composição de alguns “pré-treinos”, com o DMAA (dimetilamilamina), um fármaco psicoativo da classe das anfetaminas que pode causar efeitos colaterais perigosos à saúde.



Em outras palavras...


Não há mesmo muitos motivos para usar os “pré-treinos” disponíveis no mercado. Além do preço altíssimo, eles contêm substâncias inócuas, desconhecidas ou perigosas. Além disso, as substâncias que sabidamente podem ter efeito positivo sobre o desempenho não precisam necessariamente ser consumidas antes do treino, e tampouco terão efeito imediato na próxima sessão de treino. Problemas com doses excessivamente altas ou baixas e com formas de suplementos deixam claro que a melhor opção é suplementar substâncias isoladas, nas doses corretas e apenas quando for necessário.



Um abraço e até a próxima!



Guilherme Artioli - Blog Ciência inForma


www.cienciainforma.com.br



Para saber mais:


- Artioli GG et al. Role of beta-alanine supplementation on muscle carnosine and exercise performance. Med Sci Sports Exerc. 2010 Jun;42(6):1162-73.


- Artioli GG et al. Introdução à creatina e a sua suplementação. In: Bruno Gualano. (Org.). Suplementação de creatina. Efeitos ergogênicos, terapêuticos e adversos. 1a ed.Barueri: Manole, 2014, v. 1, p. 1-23.


- Vanhatalo A et al. Acute and chronic effects of dietary nitrate supplementation on blood pressure and the physiological responses to moderate-intensity and incremental exercise. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2010 Oct;299(4):R1121-31.


- Rogers & Dinges. Caffeine: Implications for Alertness in Athletes. Clin Sports Med 24 (2005) e1– e13.


- Davis JM et al. Central nervous system effects of caffeine and adenosine on fatigue. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol 284: R399–R404, 2003.


- Hickner RC et al. L-citrulline reduces time to exhaustion and insulin response to a graded exercise test. Med Sci Sports Exerc. 2006 Apr;38(4):660-6.








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Prof. Bruno Gualano, PhD
Prof. Associado da Universidade de São Paulo

Profa. Desire Coelho, PhD
Nutricionista Clínica e Esportiva

Profa. Fabiana Benatti, PhD
Professora Doutora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

Prof. Guilherme Artioli, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo

Prof. Hamilton Roschel, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo