Home Nutrição Exercícios Saúde Quem Somos A que viemos Contato

2017-04-24

Nutrição

Emagrecimento. Uma caloria é só uma caloria e pronto. Será mesmo?

Outro dia, observando uma discussão entre alunos de graduação em Nutrição, ouvi um conceito pelo menos curioso. Embora a maior parte do debate – bastante fervoroso, diga-se – girasse em torno de qual seria a melhor estratégia para se induzir déficits calóricos na dieta, o que realmente me chamou a atenção foi o tamanho do déficit pretendido: deveriam ser exatas 3500 calorias. Chato que sou, não aguentei e perguntei o porquê do apego à este valor específico. Óbvio, disse um deles, alegando que o valor baseia-se no conceito da equivalência entre 3500 calorias e 450g de peso corporal, e completou: “Se a gente tirar 500 calorias por dia, o paciente perde praticamente meio quilo por semana [sic]”.


PARTE 1



    A verdade é que este é um conceito muito difundido em diversos livros de nutrição com viés mais prático, aparecendo, até mesmo, em artigos científicos publicados em periódicos de alto reconhecimento acadêmico.A lógica, contudo, não nos permite aceitar essa ideia se pararmos um instantinho só para pensarmos a respeito. Vamos fazer esse exercício juntos. Para tal, eu os convido a responder a seguinte pergunta: E o que aconteceria se você mantivesse esse déficit calórico (500cal/dia) em um indivíduo de 80kg por três anos consecutivos? Adianto a resposta para quem não gosta de fazer conta. Segundo a lógica proposta, a pessoa simplesmente desapareceria!!!!



De fato, um estudo antigo (fim dos anos 50) concluiu que 450g de tecido adiposo armazenava aproximadamente 3500 calorias. Entretanto, fazer a translação deste conhecimento de natureza básica para a aplicação clínica, de maneira tão simplista, é esquecer aspectos elementares da fisiologia humana.

Aceitar a “regra das 3500 calorias por ~0,5kg” é assumir que a consumo e o dispêndio energéticos são parâmetros absolutamente independentes, e que não sofrem influência dos sinais homeostáticos ligados à perda de peso. A literatura atual, contudo, nos diz que ingestão e gasto energéticos são dinamicamente influenciados um pelo outro e pelo peso corporal, de forma que alterações no balanço energético via dieta e/ou exercício são contrapostas por adaptações fisiológicas que resistem à perda de peso contínua.

O gasto energético diário tem 3 componentes básicos. Enquanto o efeito térmico do alimento (que dá conta do gasto energético referente a digestão, absorção, armazenamento e metabolização dos macronutrientes presentes na dieta) representa a menor fração do gasto diário total, é importante notar que a composição da dieta o influencia diretamente. Sabemos, por exemplo, que as proteínas tem um maior “custo”energético de processamento maior do que as gorduras e carboidratos, respectivamente.

O gasto energético de repouso corresponde ao custo das atividades que não incluam atividade física, constituindo, portanto, a maior porção do gasto diário. Alguns aspectos curiosos referentes ao gasto energético de repouso são a sua relação direta com o peso corporal (quanto maior o peso corporal, maior o gasto de repouso) e a influência do fluxo metabólico por vias que requerem energia, de forma a serem influenciadas pela composição das dietas.

Temos, por fim, o gasto energético ligado à atividade física, que pode ser relacionado com o exercício físico ou a atividades da vida diária. De qualquer forma, o gasto destas atividades está diretamente ligada à sua duração e intensidade em relação ao peso corporal. Assim, indivíduos obesos, embora frequentemente menos ativos, têm gastos energéticos comparáveis à indivíduos ativos não obesos.

Embora o exercício seja recomendação primeira para tratamentos de perda de peso, é importante notarmos que enquanto é, sim, possível aumentarmos o gasto energético via exercícios físicos, uma literatura razoavelmente extensa nos mostra que, uma vez engajados em programas regulares de exercício, os indivíduos tendem (embora não seja uma regra universal) a assumir um comportamento mais sedentário durante o resto do dia e/ou aumentar o consumo energético, num padrão compensatório limitante para o tratamento. Adicionalmente, desbalanço energético com vistas ao emagrecimento frequentemente resulta em diminuição não apenas de massa adiposa, mas também de massa magra, com importante comprometimento do gasto energético de repouso. Por fim, é importante destacar que a redução do peso corporal pode implicar em dificuldades em aumentar o gasto calórico por meio do exercício físico, uma vez que a eficiência mecânica aumenta com o menos peso corporal e maior estado de treinamento, diminuindo, assim, o custo metabólico da tarefa.

A restrição calórica gera, também, uma diminuição no gasto energético, fenômeno chamado de termogênese adaptativa, ou adaptação metabólica. É importante notar que esse efeito pode perdurar por longos períodos após o restabelecimento do aporte energético, ajudando, em parte, a explicar o efeito sanfona ou iô-iô (ou seria yo-yo).  Embora não se conheçam as causas exatas deste mecanismo, ele parece estar ligado à redução da leptina e do drive simpático e atividade da tiroide. De maneira geral, a adaptação metabólica parece ser uma resposta do organismo a um estado de privação energética. Assim, a redução do custo metabólico estaria ligada à tentativa de prolongamento da vida frene a uma quantidade finita de energia estocada no corpo (teorias relacionadas à esta ideia foram discutidas em um dos nossos vídeos, dá uma busca lá!). Um ponto bastante interessante é que essa adaptação metabólica não parece ser atenuada pela massa corporal, de forma que indivíduos obesos também experimentam reduções no gasto calórico independentemente da quantidade de energia que eles têm estocadas, o que ajuda a explicar as observações práticas com obesos, por exemplo.

    Por fim, a composição da dieta também pode influenciar a ideia de que uma caloria é só uma caloria. Sobre este assunto, remeto o leitor aos posts sobre o efeito das proteínas no emagrecimento e na discussão a respeito de dietas low-carb vs. dietas low-fat. De forma resumida, temos que a composição da dieta (quando equiparada por quantidade calórica), em termos do aporte proteico, pode influenciar na manutenção ou minimização da perda de massa magra, com importantes repercussões sobre gasto calórico e funcionalidade. Entretanto, quando equiparadas por quantidade calórica e aporte proteico, restringir carboidratos parece não oferecer benefícios adicionais à perda de peso quando comparado à restrição de gorduras. Por outro lado, a restrição de carboidratos pode ser vantajosa sobre outros aspectos, como no controle de parâmetros bioquímicos relevantes para a saúde.

    Em conclusão, parece claro que a simplificação matemática da relação ingestão x consumo energético e seus desfechos relacionados à redução do peso corporal são, no mínimo, ingênuos, e merecem ampla consideração antes de serem implementados.  A interdependência entre consumo e gasto calóricos e a influência de atores como a composição da dieta e o exercício físico são hot-topics na literatura científica. Vale a pena ficarem atentos!

Até a próxima e bons estudos.

Prof. Dr. Hamilton Roschel







Comentários

Veja também


- Quem precisa tomar suplementos?
- A ordem dos alimentos na refeição é importante?
- E se eu tomar só creatina sem treinar, funciona?
- Ultraprocessados: qual o risco?
- Guia Alimentar Brasileira - o melhor do mundo?
- Qual a diferença entre dieta low-carb e cetogênica?
- HMB: o suplemento que promete muito, mas será que entrega?
- Dieta cetogênica e força
- Suplementos Contaminados - CUIDADO!!!
- Low-carb ou less-carb: o que é melhor?
- Dia do Nutricionista - Dia do Profissional de Educação Física
- Água com limão e seus supostos efeitos
- Low-carb mata mais?
- Leite de vaca e risco de desenvolver diabetes tipo 1
- Dieta cetogênica e performance
- O fim da omelete de claras - Olha o ovo aí de novo!!!!!!!!
- Novidades sobre o uso da beta-alanina na musculação
- Comer Intuitivo
- Ácido Fosfatídico: novo super-suplemento para hipertrofia?
- Comer Emocional
- Sleep low - estratégia para melhora de performance
- A crise da obesidade e a omissão do governo brasileiro
- Veganos e massa magra
- Dietas cetogênicas afetam o desempenho?
- A ordem do que comemos pode influenciar nossa saúde?
- Dietas veganas e deficiências nutricionais: será mesmo?
- Alimentos ultraprocessados: qual o problema?
- Bicarbonato de sódio: como suplementar
- Bicarbonato de sódio pode melhorar o desempenho
- Alimentação Infantil
- Suplementos Nutricionais: aprecie com moderação!
- Reidratar com cerveja?
- Existe algo especial nas dietas low-carb?
- Qual o melhor tipo de whey: concentrado, isolado ou hidrolisado?
- Frutose - devemos nos preocupar?
- A gordura saturada aumenta o risco cardiovascular?
- Como preparar seu intestino para os suplementos esportivos.
- Rapadura durante os treinos longos.
- Proteínas, quanto mais melhor?
- Vitamina C para gripes e resfriados? Entenda como (e se) funciona
- O atleta que consome muito café também se beneficia da suplementação de cafeína no esporte?
- Como o estresse influencia a dieta?
- Jejum Intermitente - parte 2!
- Emagrecimento. Uma caloria é só uma caloria e pronto. Será mesmo?
- Jejum Intermitente - parte 1!
- Os diferentes tipos de açúcar presente nos alimentos que muita gente não conhece.
- Alimentação infantil
- Café com óleo de côco emagrece?
- “O bom da dieta é que eu não tenho que pensar.”
- Afinal, se não é para fazer dieta, posso comer à vontade?
- Por que ler o rótulo de alimentos industrializados é tão importante? E o que devo ler?
- Atletas que tomam muito café não se beneficiam da suplementação de cafeína?
- Comedor compulivo ou impulsivo?
- O que são alimentos frescos, processados e ultraprocessados?
- Proteínas antes de dormir e hipertrofia.
- Proteínas, quanto mais melhor…será mesmo?
- Carboidratos de baixo índice glicêmico (waxy-maize e isomaltulose) são superiores aos carboidratos convencionais?
- Quanto os atletas comem?
- Amino Spiking: o bom (#SQN) e velho gato por lebre na indústria de suplementos
- Refrigerante para provas/treinos de longa duração?
- Suplementar cafeína atrapalha os efeitos da creatina?
- Índice Glicêmico - um conceito supervalorizado?
- Senhores pais, por favor, prestem atenção ao que seus filhos estão comendo!
- É preciso comer de 3 em 3 horas para ganhar massa muscular?
- Comer de 3 em 3 horas emagrece?
- Proteínas e saciedade.
- Comer de 3 em 3 horas aumenta o gasto energético?
- Alimentos com baixa caloria funcionam?
- Suplementação com Bicarbonato de Sódio
- Café da manhã, a refeição mais importante do dia ou a mais supervalorizada?
- Afinal, por que há tantas controvérsias no mundo da nutrição?
- Suplementos alimentares - como saber qual funciona?
- Leucina auxilia na hipertrofia muscular?
- O que comer no pós-treino: suplementos ou fast food??
- Carnitina aumenta a queima de gordura, mas....
- Por que paramos (ou não) de comer?
- Filme = Pipoca? Cuidado!
- Qual é o melhor óleo para cozinhar?
- Precisamos suplementar sódio durante o exercício prolongado?
- Nutrição Esportiva: de olho na resposta individual de cada atleta!
- Quem realmente precisa de isotônicos?
- Beta-alanina: o que é, como funciona e quais seus efeitos?
- Dieta da proteína, Atkins, Dukan, cetogênica...
- Barrinhas de proteínas?
- Tribulus Terrestris e as falsas propagandas de aumento de testosterona, força e massa muscular
- O papel dos carboidratos na reposição de glicogênio muscular
- Suco de beterraba e suplementação de nitrato: seguro e efetivo?
- “Correr, correr, é o melhor para poder emagrecer...” será mesmo?
- Afinal, há pontos positivos na dieta paleolítica???
- Paleo diet: a mais nova-antiga dieta da moda
- Atletas adolescentes precisam de suplementos esportivos?
- Carboidratos podem melhorar o desempenho físico, mesmo se você não os ingerir.
- Suplementação de carboidratos durante o exercício.
- Existe alimento proibido?
- Frango com batata doce?
- Qual a melhor whey protein: concentrada, isolada ou hidrolisada?
- Carboidrato e performance: "train low compete high"
- Consumo de carboidratos no pré-treino, quem precisa se preocupar?
- Carboidratos e ganho de massa muscular
- Quem precisa suplementar antioxidantes?
- Creatina, qual a melhor forma?
- Creatina antes ou depois do treino? Um novo estudo reabre a questão...
- Intervenção da Nutrição no "Medida Certa" do Fantástico
- Suplementação de proteínas e a "Janela de Oportunidade"
- Se eu não devo fazer dieta, o que eu faço?
- O que são e como funcionam (se é que funcionam...) os suplementos “pré-treino”?
- Suplementação de carboidratos: alimento ou suplemento?
- Com culote ... "sans culotte"
- Radicais livres: combatê-los ou não combatê-los?
- Suco de beterraba para “nitrar” seu treino!
- Frutose: devemos nos preocupar?
- Guia Alimentar para a População Brasileira: o guia que acertou em cheio e conquistou o mundo!
- Suplementação de proteínas e emagrecimento
- Comida vicia?
- Suplementação de arginina e citrulina melhoram o desempenho?
- Para ganhar mais massa magra, devo comer de 3 em 3 horas?
- Bifinho para ficar fortinho!
- Suplementação de proteínas e exercícios de endurance: além da hipertrofia muscular
- Comer de 3 em 3 horas ... porque mesmo?
- Suplementação de creatina: tem que fazer “carregamento”?
- Suplementação de glutamina e intestino: para quem?
- BCAAs para corredores e maratonistas: mais um caso de desperdício de dinheiro?
- Perigo: suplemento contaminado!
- BCAAs e Treinamento de Força
- Se um alimento pode dar alergia, o melhor é evitá-lo? Não.
- Vale a pena suplementar glutamina?
- Ciência Informa responde: Comer salada antes da refeição faz com que eu coma menos?
- Frutinhas milagrosas: qual o real benefício do goji berry?
- Nos alimentamos de nutrientes ou comida?
- Suplementos de Vitaminas e Minerais engordam?
- Chá verde, chá branco e chá oolong realmente emagrecem?
- Treinamento concorrente: mais uma aplicação da suplementação de creatina
- Termogênicos (Parte 3): o que esperar da cafeína?
- Termogênicos parte 2: A falha lógica das substâncias termogênicas
- Dietas Restritivas: Detox….desintoxicar o que?
- Ciência Informa Responde: maltodextrina
- Termogênicos parte I: carnitina como fat burner
- Suplementação de HMB: muito bom para ser verdade?
- Alimentos diet e light funcionam?
- Em excesso, até água faz mal!
- O que os suplementos realmente podem fazer por você?
- Proteína para que te quero - Parte 5: Suplementação de proteínas para idosos
- Carboidrato e Peso Corporal
- Quais os riscos da suplementação com beta-alanina?
- Proteína para que te quero - Parte 4: A JANELA DE OPORTUNIDADE e a suplementação de proteínas
- A desidratação realmente piora o desempenho esportivo?
- Proteína para que te quero - Parte 3: A fonte de proteína faz a diferença? Qual a melhor fonte proteica?
- Beta-alanina para quem?
- Proteína para que te quero - Parte 2
- Alimentação é uma simples questão de escolha?
- Proteína para que te quero - Parte 1
- Beta-alanina: o que é e o que faz esse novo suplemento?
- Quer emagrecer? Fuja das dietas...
- Suplementação de creatina: antes ou após o treino?
- Sem Glúten ou Com Glúten?
- Carboidrato à noite engorda?
- Até tu, adoçante?



Busca

Receba Atualizações

Envia sua sugestão de temas


Nossos Colaboradores

Prof. Bruno Gualano, PhD
Prof. Associado da Universidade de São Paulo

Profa. Desire Coelho, PhD
Nutricionista Clínica e Esportiva

Profa. Fabiana Benatti, PhD
Professora Doutora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

Prof. Guilherme Artioli, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo

Prof. Hamilton Roschel, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo